Defesa diz que ex-servidora nega desvio de R$ 5 milhões de pesquisas da Unicamp e tem 'subemprego' na Europa
06/05/2025
(Foto: Reprodução) Advogado de Ligiane Marinho de Ávila afirmou que transações tinham consentimento de pesquisadores e da universidade. Cientistas dizem que são vítimas do esquema. MP vê inércia da Unicamp em desvio e cogita investigação criminal contra ex-reitor
Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) investigada pelo desvio de R$ 5,3 milhões em recursos públicos destinados a projetos científicos do Instituto de Biologia (IB), negou ter se apropriado indevidamente do valor.
Segundo o advogado Rafael de Azevedo, que representa a ex-servidora, todas as transações foram feitas com o consentimento tanto dos pesquisadores quanto da universidade, sem que existisse um procedimento padrão de controle e fiscalização.
"O que ela fazia, sim, era repassar os valores para a sua conta, para realizar os pagamentos, tanto que tem uma situação que ela até relata no depoimento, de que havia uma reforma para ser feita no telhado do instituto e que isso não poderia ser custeado com a verba da pesquisa. Eles pediram para dar um jeito, emitir uma nota, ver uma situação que consiga adequar para que esse pagamento seja feito. Os próprios pesquisadores, professores, passavam e isso tinha a sabedoria, tinha o conhecimento de todos ali dentro", disse Azevedo.
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Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora da Funcamp, trabalha como faxineira na Europa
Ligiane Marinho de Ávila/Arquivo pessoal
'Subemprego' na Europa, diz defesa
Ligiane deixou o Brasil em 19 de fevereiro de 2024, um mês após os desvios serem descobertos. Em setembro, o Ministério Público pediu a prisão preventiva e a quebra do sigilo bancário dela.
O advogado afirmou que, ao sair do país, a ex-servidora tinha a intenção de abrir uma empresa de viagens no exterior, mas não conseguiu. Agora, ela afirma que trabalha como faxineira e divide um alojamento com outras sete pessoas.
“Ela trabalha lá fora em subemprego. Ela está fazendo limpeza nas casas. O que é completamente contrário ao que diz a acusação, porque se houvesse realmente da parte dela esse desvio milionário, não haveria o porquê”, defendeu Azevedo.
Ainda de acordo com o advogado, tramita no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de habeas corpus que questiona a necessidade da prisão de Ligiane. Por ora, ela não tem previsão de retorno ao país.
Auditoria da Fapesp
A auditoria interna realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) concluiu que o desvio total de recursos foi de R$ 5.384.215,88. Desse total, R$ 5.077.075,88 foram movimentados diretamente por Ligiane.
Ligiane é suspeita de ter feito 220 transferências bancárias, sendo cerca de 160 enviadas diretamente para a conta pessoal dela. Parte dos desvios também envolveu empresas da ex-funcionária e outras três pessoas jurídicas.
A Fapesp aponta que a ex-servidora agiu intencionalmente ao usar notas fiscais falsas para desviar recursos. Os pesquisadores, por sua vez, teriam contribuído por negligência, já que permitiram que ela acessasse as contas dos projetos, o que vai contra as regras da fundação.
Defesa de pesquisadores diz que grupo é vítima
O escritório de advocacia que representa os 34 pesquisadores acionados juridicamente para devolver os valores desviados pontuou, em nota, que as irregularidades foram identificadas e denunciadas pelos próprios cientistas, em um ato de “total boa-fé”.
"Apesar da postura colaborativa dos docentes, a FAPESP optou por direcionar esforços não à responsabilização da autora das fraudes, mas à cobrança dos valores diretamente dos pesquisadores, também vítimas da situação. Em janeiro de 2024, foram notificados administrativamente para reembolsar os valores desviados", disse o texto.
Ainda de acordo com a defesa, os docentes entendem que “agiram corretamente e de acordo com todas as normas institucionais da Fapesp e da Unicamp — acostando, inclusive, documentos que comprovam a autorização dos órgãos para a entrega de cartão e senha ao Escritório de Apoio”.
Diante disso, os cientistas também ajuizaram ações individuais “com o objetivo de declarar inexigível a cobrança. São 30 (trinta) ações judiciais que tramitam nas 1ª, 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública de Campinas”.
“A maioria delas obteve decisões liminares favoráveis, garantindo a suspensão da cobrança e a continuidade dos projetos de pesquisa. Há sentença de improcedência em três casos na 3ª Vara, contudo, os docentes que tiveram seus projetos de pesquisas bloqueados por conta da decisão, já possuem decisão da Turma Recursal suspendendo seus efeitos”, explicou.
Por fim, a defesa disse que "os pesquisadores também são vítimas dessa situação e têm agido com total transparência e cooperação desde o início, buscando preservar a integridade da pesquisa científica e a legalidade na gestão de recursos públicos".
Instituto de Biologia da Unicamp
Reprodução/EPTV
O que diz a Unicamp
“A Universidade apurou os fatos internamente, mediante a instauração de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos vários servidores e analisados documentos.
Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas para melhoria dos escritórios de apoio, concluindo pelo arquivamento do processo.
Importante esclarecer que os recursos desviados são da FAPESP. Inclusive, nas ações movidas pelos docentes contra a FAPESP, a Universidade e a FUNCAMP, as decisões de mérito têm sido todas favoráveis à Universidade, com condenação dos docentes ao ressarcimento dos recursos à FAPESP. Portanto, até o momento, não há risco concreto ao patrimônio público da UNICAMP.
A esfera de apuração da Unicamp se restringe ao âmbito disciplinar, sendo que, até a última manifestação do então reitor, Antonio José de Almeida Meirelles em 16 de abril, não haviam novas provas que pudessem ensejar a instauração de outro processo de sindicância mais específico. Todavia, como restou expressamente consignado na decisão do Reitor, era necessário que se aguardasse o avanço do Inquérito Policial instaurado e das próprias ações judiciais movidas contra a Universidade para a reavaliação do assunto.
Na data de ontem, às 15:46, o Ministério Público encaminhou à Universidade manifestação de 30/04/2025, com apresentação de novos indícios sobre o caso, e ofício datado e assinado às 15:31 de 05/05/2025, com pedido de abertura de sindicância administrativa, que será avaliado pela Universidade no prazo de 30 dias concedido para resposta.
Importante ressaltar que a Universidade somente teve conhecimento dessa manifestação e dos documentos apresentados na data de ontem, já tendo pedido cópia dos documentos ali citados e não enviados ainda para a instituição.
Neste sentido, a Universidade reitera que não houve qualquer omissão do ex-Reitor na condução do caso, que determinou a apuração dos fatos, instaurando sindicância administrativa.”.
O que diz a Funcamp
“A Funcamp informa que colabora integralmente com todas as autoridades competentes nas apurações em andamento. A Fundação reitera seu compromisso inegociável com a ética, a integridade e a gestão responsável dos recursos públicos”.
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